O bairro judeu em Praga atrai muitos visitantes anualmente. Isso porque ao andar por suas ruas, percebe-se edifícios históricos de diferentes períodos e sinagogas, que deixaram um legado quase milenar. A história das terras tchecas é muito rica em detalhes, diversificada e complexa. E um dos povos que têm uma trajetória marcante na República Tcheca são os judeus. Segundo registros, os primeiros judeus chegaram no país no século 10 e suas vidas por aqui não foram nada fáceis.
As práticas religiosas próprias, a habilidade de bons negociadores que eles demonstravam e também o fato de que sempre buscavam obter lucros altos em suas transações incomodava muita gente. A atitude de buscar grandes lucros em seus negócios atentava contra a conduta cristã da época e isso provocou uma série de ataques à comunidade judaica.
Por fim, os judeus foram expulsos das terras tchecas, porém a ausência deles foi negativamente sentida na economia do país e por isso, o rei Otakar II da Boêmia permitiu o retorno deles e ainda instituiu o privilégio “Statuta Iudeorum”, tornando os judeus propriedade da comunidade da Casa Real. Assim, se ocorresse algum crime contra eles, o ato seria julgado como agressão contra a propriedade do monarca.
Mas, claro, esse privilégio não era dado a eles de graça, os judeus tinham que pagar um imposto especial e o monarca tinha o direito de administrar seus recursos. Assim, para ganhar a vida, muitos judeus emprestavam dinheiro em troca de juros, muitas vezes, considerados elevados. Pessoas da nobreza, burguesia e das classes mais pobres estavam entre a clientela da comunidade judaica.
Os judeus faziam isso simplesmente porque era negado a eles o direito de praticar a maioria dos ofícios e também de possuir terras. Além disso, eles eram obrigados a viver em guetos e se saíssem de suas zonas delimitadas, tinham que usar um sinal especial como um chapéu amarelo ou uma fita no braço.
Entre idas e vindas
Durante o reinado do rei tcheco mais venerado e respeitado, Carlos IV (só para lembrar, a ponte mais famosa de Praga leva o nome dele), os bens dos judeus foram penhorados. Após uma campanha cara para se tornar imperador do sacro império romano-germânico, Carlos IV estava endividado e a forma que ele encontrou para pagar as dívidas foi proclamar que elas deveriam ser cobradas dos judeus. Isso aconteceu entre os anos de 1348 e 1349 e desencadeou, apenas três semanas depois do anúncio de Carlos IV, o primeiro pogrom, nome dado a perseguições violentas contra a comunidade judaica, que tirou a vida de mais de 500 judeus. Os que conseguiram escapar tiveram suas casas destruídas ou ocupadas pela burguesia.
Mais tarde, Carlos IV, tentou melhorar a situação dos judeus no reino da Boêmia, facilitando o retorno deles ao país. Durante o reinado do monarca, os judeus representavam cerca de 2% da população da capital checa, que era de aproximadamente 40.000 pessoas. No entanto, segundo historiadores, Carlos IV não deixou de tratar os judeus como uma mercadoria.
E, praticamente, foi assim que seguiu a vida dos judeus nas terras tchecas, marcadas ora por expulsões, ora por concessões de permanência.
Lapso memorável
No final do século 17 e princípios do século 18, durante o reinado de Joseph II, a comunidade judaica teve um notável rabino chamado Löw e um influente prefeito, Marcus Mordecai Maisel. Esse período, foi tranquilo para a comunidade judaica e isso favoreceu o desenvolvimento cultural do bairro. Não é à toa que o bairro judeu de Praga foi nomeado Josefov, em homenagem a este rei. A comunidade judaica concentrou-se junto a praça da Cidade Velha e tiveram permissão para ter uma jurisdição autônoma.
Entretanto, nos séculos 19 e 20, outra época obscura chegava para os judeus. O bairro que eles ocupavam em Praga foi destruído por conta de uma campanha de saneamento urbano. As ruelas labirínticas foram trocadas por avenidas com edifícios burgueses, como a rua Pařížská (Paris, em tcheco) tomada por lojas de grife. O lado bom é que as sinagogas históricas e o velho cemitério judeu escaparam dessa brutal reorganização urbana.
Preservação maligna
Durante os anos de ocupação nazista da então Tchecoslováquia, o bairro judeu foi paradoxalmente conservado a mando de Adolf Hitler. Mas, claro, o líder nazista tinha planos muito mais audaciosos para esse espaço. Ele simplesmente planejava construir e manter em Praga um “museu da raça extinta”. Por isso, nas sinagogas do bairro judeu foram concentradas coleção de objetos, obras de arte e peças de valor judaicos dos países e regiões ocupadas, surgindo assim a maior coleção de objetos judeus da Europa.
Hoje, o bairro judeu de Praga é uma área interessantíssima por sua história, arquitetura e preservação das tradições judaicas, concentrando seis sinagogas, uma prefeitura e um cemitério, com uma comuni-dade judaica ativa formada por cerca de 15 mil pessoas.
Para se aprofundar na história judaica, você pode visitar todos esses templos. Listo abaixo cada um deles para você saber o que poderá ver em cada um dos monumentos:
1) Velha-Nova Sinagoga (Nuova Staronová synagoga)
Ao passar pela rua Maiselova, o edifício da sinagoga impressiona pela sua arquitetura em forma retangular, construído todo em pedra em estilo gótico no ano de 1270. A Velha-Nova é considerada uma jóia entre as sinagogas por ser uma das mais valiosas do mundo e, ao mesmo tempo, a mais antiga sinagoga da Europa central. Até hoje, ela é a principal sinagoga da comunidade judaica em Praga e funciona como um lugar de oração. Somente durante os anos de ocupação nazista (1942 e 1945), as atividades ficaram suspensas.
Existe uma lenda que diz que a Sinagoga Velha-Nova foi erguida pelos ancestrais dos judeus de Praga há dois mil anos, depois da destruição do Segundo Templo em Jerusalém no ano 70 depois de Cristo. Outra lenda presente no imaginário de tchecos e também de visitantes é que nesta sinagoga estaria escondido o famoso e temido Golem, uma espécie de monstro artificial, criado pelo rabino Jehud Löwa ben Bezalel (1512-1609), para assustar os cristãos que vinham atacar os judeus. O rabino Löw é considerado um dos mais ilustres que já passaram pela comunidade judaica do país e desde a sua morte ninguém se sentou em seu assento, localizado à direita do altar na sinagoga Velha-Nova, em sinal de respeito.
A sinagoga Velha-Nova foi declarada patrimônio cultural nacional em 1995.
Endereço: Červená, Praha 1 – Josefov, 110 00.
Web: www.kehilaprag.cz / www.synagogue.cz
2) Sinagoga Maisel (Maiselova synagoga)
Na mesma rua da sinagoga Velha-Nova, você vai encontrar a sinagoga Maisel, que desperta a atenção por ser um edifício renascentista com três naves e clara influência gótica, considerada características únicas para o seu tempo. O prédio desta sinagoga foi construído entre 1590-1592 pelo prefeito do bairro judeu de Praga, Mordejay Maisel, para ser uma sinagoga privada. Isso aconteceu por causa dos privilégios concedidos pelo rei da época, Rodolfo II. Maisel reuniu nesta sinagoga um grande número de objetos cerimoniais preciosos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas armazenaram cerca de 6.000 obras de arte, que vieram de outras 153 sinagogas da Boêmia e Morávia, com a intenção de fundar na sinagoga um museu anti-semita em Praga. Em 1950, a coleção foi entregue ao Museu Judaico do Estado e mais tarde voltou a sinagoga Maisel, onde abrigou uma exposição permanente intitulada “Prata das sinagogas tchecas”. Atualmente, a sinagoga apresenta a exposição “História dos Judeus na Boêmia e Morávia I – desde os primórdios até a emancipação”.
Endereço: Maiselova 10, Praha 1 – Josefov.
Web: www.jewishmuseum.cz
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3) Sinagoga de Klaus (Klausová synagoga)
O edifício da sinagoga Klausová está localizado ao lado do velho cemitério judaico. O prefeito da cidade judaica, na época, Mordejai Maisel, mandou construi-la em um terreno adquirido justamente para expandir o cemitério no ano de 1689. Depois de um incêndio que destruiu o prédio original, construiu-se o monumento barroco, que vemos hoje, no ano de 1694. A sinagoga serviu como casa de oração, para o banho ritual judaico (mikvah) e para acolher os doentes.
A Klausová era a segunda maior sinagoga da comunidade judaica de Praga e pertencia a Sociedade Funerária de Praga, instituição responsável pela cerimônias fúnebres judaicas. Durante a ocupação nazista, o mobiliário interior foi destruído e, posteriormente, a sinagoga passou por reconstruções. Do edifício original, ficou somente o formato das janelas e uma placa com a data 1694, referente ao ano de construção do edifício. Atualmente, a sinagoga apresenta a exposição permanente “Tradições e costumes judaicos”.
Endereço: U Starého hřbitova 1, Praha 1 – Josefov.
Web: www.jewishmuseum.cz
4) Sinagoga de Pinkas (Pinkasova synagoga)
A sinagoga de Pinkas foi construída em 1535 pela família Horovic, considerada uma das mais respeitadas e ricas da comunidade judaica de Praga, para ser uma casa de oração privada. Depois da Segunda Guerra Mundial, a sinagoga tornou-se um monumento em memória aos judeus tchecos que foram vítimas da perseguição nazista.
No começo dos anos 50, o interior da sinagoga se transformou em um monumento em homenagem aos judeus tchecos. E para esse fim, os pintores Jiří John e Václav Boštík escreveram à mão 80 mil nomes de judeus, que morreram por causa do nazismo, na entrada e na nave principal do edifício, criando uma espécie de enorme inscrição sepulcral. Os nomes estão organizados em ordem alfabética e conectados às cidades do último endereço conhecido. Na nave, estão nomes de cerca de 40 mil pessoas com o seu último endereço em Praga.
Em 1968, a sinagoga foi fechada devido à elevada humidade e as inscrições dos nomes ficaram destruídas. Então, em 1992, começaram os trabalhos para renovar os nomes das vítimas judias e foi assim que o número de nomes inscritos alcançou a marca dos 80 mil. O objetivo não é somente homenagear as vítimas, mas também devolver os nomes às vítimas do nazismo que eram somente identificadas com nada mais que números na hora da morte.
Endereço: Široká 3, Praha 1 – Josefov.
Web: www.jewishmuseum.cz
5) Sinagoga Espanhola (Španělská synagoga)
Construída entre os anos 1867 e 1868 em estilo mourisco no lugar da sinagoga mais antiga de Praga, que segundo registros já existia desde o século 12 e era chamada de velha escola. Na antiguidade, as sinagogas costumavam ser espaços para a educação de jovens e adultos pertencentes às comunidades judaicas.
O nome da sinagoga faz referência a judeus espanhóis que foram abrigados no espaço, depois de serem expulsos da Espanha, no final do século 15, pela rainha Isabel I, conhecida como “a Católica”. Atualmente, a sinagoga tem uma exposição permanente sobre a história dos judeus na República Tcheca.
Mais tarde, a capacidade do edifício foi ficando insuficiente e iniciou-se uma nova construção com um nível técnico considerado muito elevado para a época. A sinagoga tinha calefação central e seu edifício foi remodelado com foco em ter uma alta qualidade acústica para servir como templo de cultivo à música. Tanto que teve um período que o coro da sinagoga foi dirigido por František Škroup, nada menos que o compositor do hino nacional tcheco.
De junho de 2019 até dezembro de 2020, a sinagoga ficou fechada para reforma. Os trabalhos de melhorias incluem a construção de novas instalações para visitantes e acesso sem barreiras. Durante a visita, é possível ver a exposição permanente “História dos Judeus da Boêmia e Morávia desde a emancipação até o presente”, complementando a exposicão da sinagoga Maisel.
Endereço: Dušní 12, Praha 1 – Josefov.
Web: www.jewishmuseum.cz
6) Sinagoga de Jerusalén e do Jubileu (Jeruzalémská – Jubilejní synagoga)
A sinagoga mais recente do cenário de Praga, erguida entre os anos de 1905 e 1906, exibe uma interessante estilização modernista em estilo pseudo-mourisco. Desenhada pelo arquiteto vienense, Wilhelm Stiassny, que tem grande experiência na construção de sinagogas, o monumento foi construído para substituir outros templos religiosos derrubados, por conta da campanha de saneamento urbano. No centro da fachada oeste do edifício, tem uma inscrição em tcheco e hebreu que diz: “Esta é a porta de Jehová, por ela entrarão os justos. Por acaso, não temos todos um mesmo Pai? Não nos criou um único Deus?”
Com exceção dos anos que o território da antiga Tchecoslováquia ficou sob o domínio de protetorado alemão, a sinagoga segue funcionando como templo religioso. Passou por uma reconstrução durante os anos 90 e voltou a ser aberta ao público em 1996. Nesta ocasião, debaixo de reboque e pinturas velhas foram descobertos cerca de 25 m² de ornamentos pintados com grande riqueza de detalhes en estilo modernista vienense, que segundo especialistas não se encontra em nenhuma outra parte do mundo.
Endereço: Jeruzalémská 7, Praha 1 – Nové Město.
Web: www.synagogue.cz / www.kehilaprag.cz
7) Velho Cemitério Judeu (Starý židovský hřbitov)
O terceiro cemitério judeu de Praga surgiu na primeira metade do século 15 e foi utilizado como tal até 1787, quando José II proibiu o uso de cemitérios dentro de zonas habitadas. A lápide mais antiga do cemitério está registrado o ano de 1439. Calcula-se que no Velho Cemitério Judeu tem 12 mil lápides, porém diz-se que o número de falecidos enterrados lá é muito maior, pois, de acordo com o costume religioso judeu, não é permitido desenterrar os cadáveres e realocar em outro espaço. Por isso, a solução foi sobrepor várias capas de terra uma por cima da outra, resultando no característico cenário do cemitério judeu de Praga.
No fim do século 16 e início do século 17, época barroca, as lápides do cemitério também começaram a ser influenciadas pelo estilo artístico, apresentando símbolos em relevo, brasões das famílias, nomes e profissões dos falecidos. No Velho Cemitério Judeu, estão as sepulturas do filósofo mais ilustre do gueto judeu praguense, o rabino Löw. No cemitério, também está sepultado o mecenas do bairro judeu e prefeito da Cidade Judaica de Praga, Mordejai Maisel. Ao caminhar pelo Velho Cemitério Judeu de Praga, você poderá observar lápides com fortes símbolos da tradição judaica, como o cacho de uva, que representa um símbolo de fertilidade e sabedoria, o cofre, símbolo da caridade e a estrela de David com seis pontas.
O Velho Cemitério Judeu foi declarado patrimônio cultural nacional no ano de 1995.
Endereço: Široká 3, Praha 1 – Josefov
Web: www.jewishmuseum.cz
Fonte das informações: Prague.eu (www.prague.eu) e Rádio Praha (radio.cz)
Serviço
É necessário lembrar que no momento em que atualizo este artigo (10 de fevereiro de 2021), todas as sinagogas e o cemitério encontram-se fechados para visitação por causa da pandemia do Covid-19.
Quando visitar:
É importante saber que aos sábados todas as sinagogas estão fechadas, porque é o dia sagrado de descanso para os judeus. A dica aqui é deixar para visitar as sinagogas nas segundas-feiras, quando a maioria dos museus em Praga estão fechados.
Horários de funcionamento:
De novembro a março, das 9h às 16h30 e de abril a outubro das 9h às 18h.
Quanto custa as entradas para visitar as sinagogas e o cemitério:
Existem diferentes tickets a venda. Confira todas as opções abaixo:
Prague Jewish Town – dá direito a visitar o antigo cemitério judaico, a velha-nova sinagoga e a sinagoga espanhola: 290 CZK por pessoa.
Jewish Museum – dá direito a visitar a sinagoga Maisel, Pinkas, o antigo cemitério, sinagoga de Klaus e mais o espaço do hall cerimonial: 350 CZK por pessoa.
Old-New Sinagogue – o ticket dá acesso somente a sinagoga Velha-Nova: 100 CZK por pessoa.
Old Jewish Cemetery – o ticket dá acesso somente ao antigo cemitério judaico: 100 CZK por pessoa.
Spanish Sinagogue – o ticket dá acesso somente a sinagoga Espanhola: 100 CZK por pessoa.
Onde comprar: Centro de informacões e reservas (Židovské muzeum v Praze – Informační a rezervační centrum) na rua Maiselova 15, Praha 1 – Josefov. Web: www.jewishmuseum.cz
Você que me acompanha, já sabe, se ficou alguma dúvida ou perguntar, é só escrever para mim aqui nos comentários.
Forte abraco!
olá!
Muitos parabéns pelo seu blog !
só uma duvida, Não dá para visitar só uma sinagoga Espanhola ?
Olá, Manuela.
Muito obrigada, fico contente em saber disso!
Antes não era possível, porém agora é possível sim. A mudança aconteceu em 2020. O ingresso para visitar somente a sinagoga Espanhola custa 100 CZK, cerca de 4 EUR.
Abraços,
Raquel
olá, Raquel, sou Adriana, moro no Maranhão e estou aguardando que tudo isso passe para que enfim possa ir visitar Praga. Adorei seu blog e espero poder estar com você nessa linda cidade. Espero que vc e os seus estejam bem, abraço.
Olá, Adriana.
Muito obrigada pela mensagem!
Ah…seria perfeito! Também espero que muito em breve tudo passe, que possamos voltar a viajar e que eu possa receber você por aqui.
Muita saúde para você e os seus também.
Forte abraço,
Raquel