Quando comecei a pensar na seção “Cerveja Artesanal” para o blog, sabia que precisava falar com alguém que entendesse de verdade sobre o assunto. Claro que morando na República Tcheca poderia encontrar muitos mestres cervejeiros, mas quando descobri que Giovani estava morando aqui e ainda trabalhando como mestre cervejeiro, foi incrível. Imagina…um brasileiro fazendo cerveja para os tchecos, sendo que o país tem tradição milenar de produzir cerveja. Eu tinha que ir atrás dessa história que é, no mínimo, interessante.
E, além disso tem outro fato incrível: eu conheci Giovani no curso pré-vestibular nos idos dos anos 1998, em Florianópolis (SC), onde morava. E quase 10 anos depois, encontro ele na República Tcheca fazendo cerveja! Seria coincidência? Agora, chega de enrolação e vamos ao que interessa…
O mestre cervejeiro Giovani MacDonald, natural de Florianópolis (SC), trabalha desde 2013 fazendo cerveja na cervejaria Pivovarský Dum (http://www.pivovarsky-dum.eu/), em Ostrava, cidade localizada a 300 km de Praga. A ligação de Giovani com a República Tcheca não é recente. A primeira vez que ele veio parar por aqui foi em 1996 por conta de um intercâmbio cultural. Mas, depois disso, seguiu outros caminhos na vida, bem distantes da República Tcheca e da cerveja, pelo menos profissionalmente. Ele se formou em sistemas da informação e foi trabalhar nesta área em um banco e depois no Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (Ciasc).
Enfim, tudo parecia estar bem. Exatamente…parecia, porque Giovani sentia que alguma coisa estava errada. E, um dia quando viu colegas de trabalho na hora do almoço trocando ideia sobre programação e outros assuntos específicos relacionados ao trabalho no Ciasc, ele parou e se perguntou sobre qual assunto ele se interessava no tempo livre, o que ele ficava lendo ou buscando saber mais nas horas vagas, e a resposta foi…cerveja. Isso mesmo!
Giovani começou a se interessar pelo assunto quando pela primeira vez viajou para a Europa e seu hobby era pesquisar e ler livros sobre cerveja. Assim, depois dessa conversa franca consigo mesmo, decidiu largar tudo para viajar até a Alemanha e fazer um curso de mestre cervejeiro. “Eu decidi praticamente um ano antes. Parei para pensar em como eu respeitava alguns colegas de trabalho que realmente eram apaixonados pelo que faziam, que chegavam em casa em seu tempo livre e pesquisavam novas tecnologias e soluções para problemas do trabalho, que nos intervalos conversavam sobre tecnologias e técnicas de programação. Eu não tinha isso”, ele relembra. Para resolver essa questão que o incomodava e experimentar, de fato, como seria trabalhar com cerveja, ele pegou férias do trabalho e foi para Chicago fazer um curso de duas semanas no Siebel Institute. “Esse foi o meu primeiro contato com o universo profissional da fabricação de cerveja. Em casa, eu já produzia há uns dois anos. E lá eu tive certeza que era isso mesmo que eu queria”, conta.
De volta a realidade, depois das férias, Giovani ficou pensando como faria para seguir o que realmente gostava de fazer. De fato, a realidade dele não era ruim, ao contrário, era boa: ele tinha um emprego com uma segurança que muitos invejavam, era concursado, de nível superior, na sua área de formação. Viver essa situação é difícil, pois pensar na possibilidade de largar tudo sem chance de voltar era uma ideia que, no mínimo, trazia angústia. Diante disso, ele tentou pedir uma licença não remunerada, que estava prevista no contrato de trabalho, mas ele conta que o chefe começou a criar empecilhos sem embasamento algum. Então, Giovani se encheu de coragem e resolveu pedir demissão de vez. “Naquela ocasião, até pensei que assim seria melhor mesmo, se eu tivesse um plano B, poderia ser que não me dedicasse o suficiente à tarefa de encontrar um novo emprego na área que eu queria. Muita gente achou que eu era louco ou idiota, mas minha felicidade atual mostra que eu estava certo”, revela Giovani.
Então, depois da difícil decisão, Giovani vendeu o carro e instrumentos musicais. E, começou o ano de 2012 em Berlim no instituto VLB Berlin, que integra a Universidade Técnica de Berlin (TU Berlin) para fazer um curso mais longo de mestre cervejeiro. Ao terminar o curso em Berlin, Giovani fez um estágio em Leipzig por 3 meses na Bayerischer Banchof. Na sequência, sem motivo para voltar ao Brasil, ele considerou que tinha amigos e conhecidos na região próxima a Ostrava e, em contato com a família que ele morou na época do intercâmbio, veio a proposta para ficar com eles por um tempo, em Havirov, próximo a Ostrava. Giovani ficou cerca de 2 meses nesta cidade, mas a maioria do tempo acabava passando em Ostrava, onde morava seu irmão de intercâmbio. E, entre uma conversa e outra de bar, “um amigo do cunhado do amigo” comentou que o dono de uma cervejaria estava procurando um mestre cervejeiro. Giovani entrou em contato com ele e após algumas conversas, ele começou a atuar como mestre cervejeiro, fazendo cerveja para os tchecos.
E aí eu me pergunto: o que será que os tchecos, que são muito orgulhosos de sua tradição cervejeira, pensam de um brasileiro que faz cerveja? Giovani diz que, no meio cervejeiro em geral, ele percebe alguns “narizes torcidos” ao saberem que um brasileiro está fazendo cerveja, mas ele garante que basta conversar com essas pessoas que o clima já muda. Já os tomadores de cerveja, Giovani diz que nunca reclamaram.
Fazer cerveja
Agora quero compartilhar com vocês algumas ideias e dicas sobre como fazer cerveja por Giovani MacDonald, é claro!
Para aqueles que querem começar sua produção própria como hobby, Giovani aconselha primeiro de tudo a conseguir um espaço. Sim, espaço é importante.
Já aqueles que tem aspirações profissionais, ele diz que o mais importante é saber exatamente onde se quer chegar e depois estudar bem o mercado de trabalho que nessa área tem algumas especificidades que limitam bastante as escolhas. Para resumir, ele dá as seguintes dicas:
- As grandes cervejarias preferem uma pessoa com formação universitária geral (engenharia, química ou biologia, por exemplo) ou um operador de máquinas. As pequenas normalmente são operadas pelo próprio dono ou alguém da família.
- Procurar uma escola e ter um diploma de mestre-cervejeiro não significa que vai começar a chover ofertas de emprego. Em geral, o diploma acaba sendo apenas um ponto a mais, o que importa mesmo é achar o lugar certo, no momento certo e conversar com as pessoas certas. Estar atento ao que acontece no mercado, conhecer pessoas envolvidas com o negócio de fazer cerveja. Enfim, o velho conhecido e eficaz networking.
Para terminar, Giovani comenta um pouco sobre a parte prática, técnica para quem está interessado em começar a fazer cerveja.
Para você ter uma ideia do panorama geral que envolve fazer cerveja e resumindo todo o processo, você terá que seguir essa sequência: pesar, moer, cozinhar, filtrar, ferver, resfriar, fermentar, maturar e envazar. Então, vamos as dicas:
- Giovani diz que ao contrário do que muita gente pensa, a receita não é o mais importante. Em geral receitas de cerveja são bem simples e é muito difícil errar na receita, o que importa mesmo é o processo e principalmente a limpeza e sanitização. Limpeza é provavelmente o mais importante, para isso é bom procurar saber a diferença entre limpeza, sanitização e esterilização.
- Uma receita muito simples seria por exemplo usar apenas malte pilsen, fazendo uma cerveja clara. Em média, pode-se considerar que um quilo de malte faz 4 litros de cerveja. A moagem do malte é importante e vai interferir em vários aspectos. Então, ter um bom moedor é um bom investimento, o que queremos é moer o interior do grão sem danificar muito a casca, que nos vai ser útil depois.
- Durante o cozimento, precisamos controlar a temperatura de acordo com as enzimas que queremos que trabalhem mais ou menos, mas simplificando bastante, deixar meia hora a 64°C e meia hora a 72°C graus vai dar um resultado razoável, depois é uma questão de afinar o processo.
- Depois vem a filtragem, em inglês “lautering”, que é basicamente separar a parte líquida do bagaço de malte. Isso normalmente é feito com a ajuda de um fundo falso no fundo da panela (existem outras soluções) para segurar o bagaço, que por sua vez forma um filtro natural deixando passar apenas o líquido límpido.
- Depois vem a fervura, onde é adicionado o lúpulo (aqui prefiro não dar quantidades, pois existem algumas variáveis a serem consideradas, podemos aprofundar isso em outro post). Nesta parte do processo, é importante deixar a panela aberta para que possam evaporar algumas substâncias que não queremos que fiquem por lá, a fervura normalmente é feita por uma hora.
- O resfriamento é o próximo passo. É importante que o fermento seja adicionado o quanto antes, mas o mosto (o resultado antes da fermentação completa), não pode estar acima de 30°C, senão o fermento morre, o ideal é que se chegue na temperatura de fermentação, que depende do tipo de fermento. O controle da temperatura durante a fermentação também é importante. Esse é um dos motivos que normalmente iniciantes começam fazendo cervejas tipo Ales.
Depois, vem maturação e envase, mas acho que isso já ficou muito longo e deixamos para uma outra oportunidade.
Então, já sabem, os dois últimos processos ficam para as cenas dos próximos capítulos. Sim, terá muitos próximos capítulos com o mestre cervejeiro Giovani MacDonald. Assim, espero!
Giovani vai participar ativamente da seção “Cerveja Artesanal” aqui do blog. Afinal, nada melhor do que poder contar com um expert para falar sobre o assunto. Assim, você pode esperar por aqui mais artigos técnicos, profundos e relevantes sobre cerveja artesanal trazidos por Giovani.
De minha parte, nessa seção, vocês podem esperar artigos mais relacionados a dicas de pubs para beber cerveja, de lugares para curtir spas de cerveja, rotas de cerveja artesanal na República Tcheca e outros assuntos mais relacionados a como aproveitar da melhor maneira possível essa milenar tradição tcheca. Talvez, você deve estar pensando que sou uma “apreciadora” de cerveja (para usar uma palavra mais suave. Só para não dizer…beberrona, boêmia, alcoólatra, etc). E vou te contar a verdade: sou sim apreciadora de cerveja e isso no sentido literal da palavra: admiradora. Pois, na verdade até queria conseguir beber mais para não decepcionar tanta gente, mas é difícil para mim. Eu tenho que fazer um esforço. É sério isso! Vocês sabiam que para os tchecos, não beber nada ou beber pouco é quase uma ofensa?! Enfim, se você vem para a República Tcheca e não bebe cerveja, perde a oportunidade de se conectar com o povo e entender um pouco mais sobre sua cultura. Falando em cultura…
Quero te contar um pouco mais sobre a cultura de beber cerveja aqui na República Tcheca. Pois como diz um amigo que morou aqui por dois anos: “Frequentar uma hospoda tcheca é uma experiência…”
Então, me acompanhe por aqui e deixe seus comentários sobre tudo isso que falamos. Você gostou da história do Giovani e das dicas dele sobre o mercado e como fazer cerveja? A história dele te inspirou de alguma forma? Escreva aqui me contando sobre isso.
Até o próximo post…
Forte abraço!
Fantástica e inspiradora a história do Giovani.
Parabéns a ele pela coragem e conquistas.
Parabéns À Raquel, q tá com esse blog muito bom.
Abs
Poxa, muito obrigada, Henrique! Abraços também!
Adorei a matéria.
Raquel seu blog e show!
Oi, Giorlana!
Obrigada, fico feliz que gostou da matéria e do blog!
Abraços.
Muito legal a matéria e todo o blog, estou lendo tudo.
Sou cervejeiro artesanal aqui no Brasil, faço cerveja em casa com os amigos e estou indo a Praga em junho. Será que consigo informação a respeito de alguma loja onde eu possa comprar lúpulos e fermentos para trazer pra casa?
Um abraço.
Olá, Eduardo.
Muito obrigada, fico muito feliz em saber disso!
Que bacana! Certo…vou buscar essa informação para você e logo que eu descobrir, te escrevo.
Abraço,
Raquel